Mídias Sociais e a Indústria Farmacêutica
Ao contrário de outras indústrias, a indústria farmacêutica migra de maneira lenta seu conteúdo, comunicação e propaganda para as mídias sociais. Um dos fatores determinantes para esse processo tardio é a regulamentação imposta por agentes reguladores em todo mundo quando o assunto é medicação. De maneira geral, os órgãos reguladores dividem as normas de promoção e comunicação em “medicamentos isentos de prescrição” e “medicamentos sob prescrição”, tornando o tipo de publicação, os investimentos e o público alvo bastante distintos para cada classe.
A indústria farmacêutica antes das mídias sociais
O início da indústria farmacêutica era bom para indústria, mas péssimo para o consumidor. Até o início do século XX, as empresas da indústria (ou mesmo profissionais liberais farmacêuticos) podiam inventar fórmulas, patenteá-las e comercializá-las como bem entendessem. Não havia fiscalização das fórmulas comercializadas e muito menos da comunicação que as indústrias levavam ao consumidor. Um mesmo medicamento dizia curar reumatismo, gripe, asma, bronquite, dores no peito, gastrite e anemia. Eram basicamente tratados como medicamentos milagrosos.
Na época, os órgãos reguladores pouco atuavam e quando o faziam apenas exigiam das empresas que deixassem explícitos os ingredientes das fórmulas, não atentando às promessas de curas dos medicamentos. Tal fato possibilitava que o consumidor fosse enganado pelas companhias, desperdiçando dinheiro em um tratamento sem base científica alguma e correndo graves riscos de intoxicação (muitos dos medicamentos da época continham altas doses de álcool, morfina e outras substâncias). A falta da regulamentação permitia que anúncios prometendo a cura do câncer fossem veiculados sem qualquer problema.
Apenas na década de 60 o mercado farmacêutico mundial começou a sofrer mudanças consideráveis na regulamentação da produção e comunicação de medicamentos. Uma das maiores mudanças estabelecidas é que a partir de 1962 a FDA (órgão regulamentador americano) determinou que as empresas farmacêuticas deveriam comprovar a efetividade de seus medicamentos com estudos científicos antes de levá-los ao mercado. O mesmo órgão passa a regulamentar a etiquetagem e a propaganda das drogas comercializadas. Vale salientarmos que os órgãos ao redor do mundo se baseiam na FDA em diversos aspectos, e uma vez que algo é imposto pela agência, outros órgãos tendem a seguir os mesmos procedimentos em seus respectivos países/regiões.
Com uma regulamentação mais rígida, a indústria migra os investimentos em comunicação para a propaganda médica, tornando a publicidade indireta um grande trunfo para a promoção de seus medicamentos (financiando programas de educação continuada e a propaganda por meio de representantes).
Nos anos 80, o acesso à medicamentos dá um grande salto, quando remédios que anteriormente só estavam disponíveis com prescrição médica passam a ser transferidos para a classe de sem prescrição. Produtos como o ibuprofeno e a hidrocortisona passam a ser vendidos indiscriminadamente em drogarias. Tal fato faz com que as empresas voltem a trabalhar o marketing direto ao consumidor, visto que o mesmo não precisava de prescrição para a compra de uma grande gama de medicamentos.
A proposta de marketing direto ao consumidor e o crescimento da indústria faz com que o setor mude radicalmente na década de 90. Em 1990, foram gastos 47 milhões de dólares em marketing direto ao consumidor pela indústria farmacêutica. Em 1995, o volume do investimento saltou para 340 milhões de dólares. A mudança ocorre também como reflexo do mercado à diminuição do acesso aos médicos por parte dos representantes. A indústria entende que não só os médicos são fundamentais na comercialização dos medicamentos, mas também os consumidores e até mesmo farmacêuticos.
A era digital e a indústria farmacêutica
A popularização da internet banda larga permitiu ao consumidor o acesso à uma quantidade imensurável de informação sobre drogas e patologias. A publicidade de medicamentos, porém não segue o mesmo ritmo. O que se encontra de medicamentos na internet são muitas das vezes suas bulas gigantescas sem cunho promocional.
A regulamentação (e até mesmo a falta dela) limita a comunicação das empresas da indústria em mídias sociais, fazendo com que os investimentos do setor sejam muito menores se comparados a outras indústrias tradicionais.
Um estudo da IMS Health de 2015 demonstrou que dos 70 bilhões de dólares investidos em comunicação pela indústria em 2014, apenas 3,2% (2,3 bilhões) foram investidos em ações digitais. Desse montante cerca de 58% foram investidos em e-detailing (materiais de promoção médica usado por representantes em tablets).
Ainda que os investimentos não sejam grandes perto de outros setores industriais, é possível averiguar um crescimento no volume investido pela indústria farmacêutica em canais digitais. Podemos verificar no estudo acima que o valor investido cresceu 32,2% de 2013 para 2014. Outro estudo da IMS Health aponta que as 30 marcas mais promovidas da indústria aumentaram seus gastos em comunicação digital em 277% de 2009 até 2014.
A indústria farmacêutica e as mídias sociais
A popularização das mídias sociais tem mudado lentamente a maneira como a indústria farmacêutica trabalha sua comunicação. Conforme mencionado anteriormente o setor atua pouco ainda nos meios digitais por conta de uma rígida regulamentação.
No Brasil, a ANVISA restringe muito as possibilidades de comunicação por parte da indústria, que não pode promover medicamentos sob prescrição para o público final. Tal política faz com que mesmo parte da comunicação que pode ser direcionada ao público (como a propaganda institucional ou fanpage de produtos isentos de prescrição médica) seja ignorada por parte das empresas do setor. Como exemplo do pouco uso das mídias sociais, dos 20 maiores laboratórios farmacêuticos do Brasil (segundo pesquisa da Interfarma), apenas 7 possuem fanpage no facebook. Produtos entre os 20 produtos mais vendidos da indústria como o protetor solar Anthelios e o analgésico e antitérmico Tylenol não possuem fanpages na principal rede social do mundo.
Nos EUA, o órgão regulador é mais maleável quanto à comunicação da indústria para com o consumidor final. Um mercado mais maduro e com menos restrições reflete no uso das mídias por parte das empresas. Em comparação ao Brasil, nos EUA 19 dos 20 maiores laboratórios farmacêuticos (de acordo com a Forbes) possuem fanpages no facebook.
Ainda que as agências reguladoras limitem a comunicação por parte da indústria, sua existência é extremamente importante para evitar abusos do setor, dado o fato que a intoxicação por meio de medicamentos ocupa o primeiro lugar dentre as causas de intoxicação no país.
O interesse das empresas de tecnologia nos investimentos em anúncios da indústria farmacêutica (6 bilhões de dólares em 2015) e a necessidade do próprio setor em estar presente nas mídias sociais tem incitado o diálogo com as agências reguladoras para que sejam definidas normas que possibilitem a comunicação das empresas na web.
A maior rede social do mundo já abriu diálogo com a agência reguladora dos EUA para encontrar uma solução que seja ao mesmo tempo boa para o usuário, mídia social, indústria e agência reguladora. Fruto desse esforço conjunto é o primeiro anúncio da Bayer no facebook, veiculado em outubro de 2016, que fez uso de um recurso chamado “rolagem ISI” (scrolling ISI). O recurso permite que as informações obrigatórias sejam inseridas em uma determinada área do anúncio e “fique rolando” como um vídeo (o exemplo pode ser visto em: https://twitter.com/sarahmorgan/status/791362789453336576), possibilitando ao usuário ver todas as informações obrigatórias sem deixar o anúncio extenso. O resultado da campanha foi uma redução de 96% no custo por lead, prova de que as mídias sociais têm muito a oferecer à indústria farmacêutica.
A necessidade da indústria de diversificar os investimentos em mídias online possibilitou o surgimento de redes socais de nicho como tem ocorrido em diversas outras áreas. A rede social SERMO foi criada em 2007 e é voltada para médicos, com uma base de usuários de mais de 600.000 profissionais. Dentro dessas redes específicas, as empresas da indústria farmacêutica têm total liberdade de comunicação pois o cadastro é feito com o número de identificação do profissional, garantindo assim que nenhum consumidor final terá acesso à um conteúdo de promoção exclusivo à classe médica.
O Brasil não foge à tendência e tem uma rede social focada na classe médica chamada “Ology”. A rede foi criada em 2013 por uma profissional da própria indústria farmacêutica que viu nas redes sociais de outros países uma oportunidade de mercado no Brasil.
O Ology é uma mescla de conceitos do facebook e do linkedin (a apresentação institucional da rede social pode ser visto nesse link: https://www.youtube.com/watch?v=HzLq5O5IHi8). Nele é possível que o usuário construa seu perfil profissional, participe de grupos, discussões de caso, se inscreva em eventos, assista webinars, etc. Para a indústria, é possível desde veicular anúncios tanto no feed de notícias do usuário, até criar uma fanpage do produto, que os médicos podem curtir e se manterem informados das novidades referentes ao produto.
Os impactos das mídias sociais na indústria farmacêutica
O surgimento das redes sociais e a adesão delas pela sociedade mudou não só a forma como o marketing trabalha, mas também outras áreas dentro das empresas do setor farmacêutico. Nas redes sociais encontram-se milhões de potenciais consumidores na busca de informações e serviços relacionados à indústria farmacêutica que já estão acostumados com o dia-a-dia nas redes sociais, mas não estão acostumados com uma indústria tão grande com pouca presença na web.
Se a área de marketing fosse a única que respondesse pelas ações nas redes socais dentro de uma empresa da indústria farmacêutica, certamente teríamos milhares de perfis de produtos e empresas do setor espalhados pelas mais diversas redes ao redor do planeta. Os fatores chave para a presença ou ausência de empresas e seus produtos e que já foram citados anteriormente são as agências reguladoras. Tomando como exemplo o Brasil, caso uma empresa da indústria receba alguma reclamação de reação à um medicamento por meio de seus pontos de contato (sac online, telefone, carta, e-mail, etc.), o setor de atendimento ao cliente deve notificar o jurídico que precisa solicitar uma averiguação, notificar a ANVISA e caso confirmado, deve-se incluir a informação nas informações obrigatórias do produto. Isso implica que caso a marca crie uma fanpage do produto nas redes socais, todo e qualquer comentário que insinue uma reação adversa à um medicamento traga transtornos à empresa e envolva várias áreas e recursos para a resolução do problema.
O futuro da indústria nas mídias sociais
O que podemos esperar da indústria farmacêutica no futuro é um aumento da sua presença nas mídias sociais. Apesar de todos os empecilhos impostos pelas agências reguladoras, a indústria fará pressão para se fazer presente em um ambiente com a presença de bilhões de consumidores potenciais.
Deve-se atentar também para o aumento da presença principalmente por parte de produtos isentos de prescrição médica. Tais produtos sofrem menos com restrições de propaganda, mas boa parte dos times de marketing ainda não enxergam o real poder da promoção nas mídias em uma indústria que historicamente demora mais para mudar as estratégias de promoção. O Dorflex, produto isento de prescrição líder do mercado nacional já entendeu a importância das mídias sociais e hoje possui uma fanpage no facebook com mais de 1,3 milhão de curtidas (https://www.facebook.com/DorflexOficial/) e um twitter com mais de 49 mil seguidores (https://twitter.com/DorflexOficial). O segundo colocado no mercado brasileiro possui uma fanpage com menos da metade de curtidas no facebook e o número diminui nos produtos mais abaixo da lista, chegando a ter produtos que são totalmente ausentes nas mídias sociais como citado anteriormente.
Quanto aos produtos na categoria sob prescrição médica, o que se pode esperar é um aumento da promoção através de redes fechadas como o Ology, em países com uma regulamentação de promoção restrita. Outra saída que tem sido usada e tende a aumentar são os sites de educação médica continuada. Tais iniciativas não são redes sociais, mas trazem os médicos para dentro de uma plataforma da própria empresa, com acesso a informações de produtos, estudos clínicos e conteúdos derivados da empresa. O grande benefício desse tipo de comunicação é trabalhar o médico na mídia proprietária, porém o alcance se restringe à base de dados da empresa.
Obrigado…Bom artigo.
Mídia Social e a Indústria Farmacêutica – Evoluímos ?
Artigo original: http://bit.ly/IndustriaFarmaceuticaMidiaDigital
Não podemos ignorar que certo conservadorismo e alguma falta de orientação à Indústria Farmacêutica, causaram um certo atraso no que diz respeito às plataformas de Mídias Sociais. Independentemente das reticências, é compreensível que pacientes continuem a falar sobre sua saúde pessoal nas Redes Sociais. A questão é: A Indústria Farmacêutica tem dado ouvidos?
A Revolução Industrial foi a transição para novos processos de manufatura no período entre 1760 a algum momento entre 1820 e 1840. Esta transformação incluiu a transição de métodos de produção artesanais para a produção através de máquinas, a fabricação de novos produtos químicos, novos processos de produção de ferro, maior eficiência da energia da água, o uso crescente da energia a vapor e o desenvolvimento das máquinas-ferramentas, além da substituição da madeira e de outros biocombustíveis pelo carvão. A revolução teve início na Inglaterra e em poucas décadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.
André Bernardes.
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Ola. Obrigado…Eu realmente aprendi muito.
Obrigado…Bom artigo.